segunda-feira, 11 de abril de 2016

Pedro I do Brasil, JAMAIS "IV" de Portugal - A verdade, sobre a mentira.


No que diz respeito ao período que vai desde a morte de D. João VI até à Aclamação de S.M.F. El-Rei D. Miguel I de Portugal, o melhor que consegui encontrar, em termos genéricos diz isto:
No dia 6 de Março de 1826, D. João VI, doente, nomeou uma regência presidida pela Infanta D. Isabel Maria, Sua filha, a qual vigoraria, mesmo com a morte do Rei, até que o legítimo herdeiro e sucessor da Coroa aparecesse (como se vê nem o Rei sabia quem era o herdeiro), D. João VI morreu 4 dias depois.

Logo D. Isabel Maria envia ao Brasil uma representação com a missão de convencer o Imperador a aceitar o trono de Portugal. Estaria o Imperador inclinado a aceitar, mas, perante a total e radical discordância e oposição dos brasileiros, "o Senhor D. Pedro mesmo positiva, e expressissimamente declarou que nada queria de Portugal, e até reconheceo mui solenemente que, sendo Imperador do Brasil, não podia ser Rei de Portugal."

D. Pedro desde 1819 que não pisava solo português, não esteve em Portugal no ano de 1826, logo, como obrigavam as Leis Fundamentais da Monarquia a Aclamação não podia ter acontecido, mais não tendo reunido as Côrtes Gerais para o efeito.

Também, segundo as Leis Fundamentais da Monarquia, o Senhor D. Pedro não reunia os requisitos necessários e obrigatórios para poder suceder na Coroa de Portugal porque:
- "o Senhor D. Pedro, Filho, e Vassallo do Senhor D. João VI Rei de Portugal, não só aprovou, e favoreceo a Rebellião do Brasil, mas se apresentou á testa dos Rebeldes, e Revolucionários, como seu Chefe; desmembrou do Reino de Portugal aquella importantíssima Colónia, elevada por seu Pai á qualidade de Reino; e até se declarou a si próprio solemnemente perpetuo Defensor do paiz rebellado."

- "muito por seu querer e escolha se fez Estrangeiro a Portugal, passando a ser Soberano independente, e Imperador do Brasil, tendo-se por isso desligado este absolutamente de Portugal."

- "o Senhor D. Pedro, como Imperador do Brasil, se obrigou a residir sempre no Brasil, e não pode vir residir em Portugal; residência esta absolutamente indispensável para poder succeder na Coroa de Portugal."

- "O Senhor D. Pedro nem em Portugal, nem no Brasil foi acclamado Rei de Portugal."

- "O Senhor D. Pedro não... prestou o Juramento de guardar aos Portuguezes seus Privilégios, Liberdades, Foros, graças e costumes, que as Leis Fundamentais da Monarchia mandão que os Reis de Portugal prestem antes de serem levantados Reis, e antes que os Estados do Reino lhe prestem o Juramento de preito, e homenagem."

- "Ainda no caso de se poder suppôr legitimada pelo Senhor Rei D. João VI no Tratado de 29 de Agosto de 1825 a usurpação, e levantamento do Brasil em Império independente: caso puramente ideal, e de mera supposição, esse caso seria justamente o que previrão as Côrtes de Lisboa de 1641, dizendo: que se acontecer succeder o Rei deste Reino em algum Reino, ou Senhorio maior... e tendo dous, ou mais filhos varões, o maior succeda no Reino estranho, e o segundo neste de Portugal; e este seja jurado Príncipe, e Legitimo Sucessor."

- na outorgação da Carta Constitucional, verdade que ele assinou "... Rei de Portugal e dos Algarves". Ele assinou, mas não tinha qualquer legitimidade para o fazer porque para ser Rei de Portugal, teria de ter sido legitimado pelas Côrtes Gerais (Clero, Nobreza e Povo) para o ser. Era a mesma coisa que o Sr. Rosário Poidimani se lembrar de fazer uma Carta, assinar como Rei de Portugal dos Algarves e passar a sê-lo, nem que fosse por um dia.
Em relação ao período pós-Capitulação de Évoramonte, não há qualquer dúvida de que não foi Rei porque a acta das Côrtes de 1834 é bem explícita e mostra que D. Pedro apenas foi Regente como vou expor:
Agosto, 15 – Abertura das primeiras Côrtes, de acordo com a Carta Constitucional, após o fim da Guerra Civil. As sessões decorreram no Convento de S. Bento da Saúde, que passou a denominar-se Palácio das Côrtes.

Agosto, 18 - Primeira sessão parlamentar, com discussão da proposta do ministro do Reino para que D. Pedro conservasse a Regência até à maioridade da Rainha.

Agosto, 30 - D. Pedro prestou juramento solene como Regente, na sala do trono do Palácio da Ajuda.

Setembro, 18 - D. Pedro enviou uma mensagem às Côrtes a pedir escusa da Regência, devido ao seu estado de saúde.

Setembro, 20– Juramento solene de D. Maria II da Carta Constitucional, depois de ter sido declarada a sua maioridade.

Conclusões:
Se o Ministro do Reino propõe que conservasse a Regência, era porque não era Rei; se fosse Rei, não prestava juramento solene como Regente; se a coroa era sua não pedia escusa da Regência.
Pelas razões apresentadas concluo que D. Pedro I do Brasil jamais foi Rei de Portugal e que só mesmo a História dos liberais vencedores fez dele "rei".
Estamos num país livre que deve ter orgulho no seu passado, logo a mentira e a traição não podem sobrepor-se à verdade e à honra.



Guilherme Koehler in "A Bandeira Branca".


Assinem a Petição por favor.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

O Regresso à Monarquia.

O retorno à tradição é o primeiro propósito da Causa Tradicionalista, impõe o regresso à monarquia, não a constitucional, mas a Tradicional orgânica pela qual lutaremos contra os movimentos republicanos, sejam eles coroados ou não. 
Somos contra o centralismo e a partidocracia; opomo-nos ao sufrágio universal e a este sistema de representatividade; recusamos o internacionalismo e todos os estrangeirismos; defendemos a Família e a vida; rejeitamos a implementação do Acordo Ortográfico, pois qualquer língua só evolui com o tempo e nunca por decreto.

A monarquia orgânica terá os seus alicerces na aliança a estabelecida entre o Rei e o Povo e, pela sua natureza, em contraposição às políticas revolucionárias, será de cariz reaccionário.

Combateremos o Estado laico, impediremos o economicismo materialista burguês, implementaremos o princípio da subsidiaridade, apoiaremos a formação de corporações livres e independentes… 

Portugal só se poderá salvar com o regresso às bases da Monarquia Tradicional: Família, Município, Província e Estado.

O "materialismo violento" e a ausência de ideal são as causas da decadência nacional, assim, o renascimento deve ter a sua origem no enfraquecimento do Estado central e no regresso ao municipalismo.


Guilherme Koehler in "A Bandeira Branca" a 20/03/2016.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

O passado é fonte de exemplos e de lições.

Tradição não é velharia, hábito irreflectido que apenas consiste em repetir cegamente o que já teve razão de ser e a não tem mais. Isso é inércia e a tradição é o contrário dela.
Não é também sinónimo de conservação, nem a explica o amor das ruínas estáticas, suspensas do beijo melancólico do luar. Para o verdadeiro tradicionalista, inteligente e activo, o Passado é fonte de exemplos e de lições. A tradição é para ele o que durou, o que provou secularmente. A vera tradição exige estudo e reflexão. É crítica. Reúne as forças da terra e do sangue, dos reveses do Passado tira ensinamentos, dos êxitos – modelos.

Representa-a o que de positivo nos legaram nossos pais antigos. E esse conteúdo positivo, continuadamente acrescentado no rodar do tempo, torna a Tradição coisa viva, que não cessa de se enriquecer, de progredir. Produto de costumes seculares e de necessidades próprias, assente sobre a observação e sobre a história, a Tradição é força activa que se desenvolve incessantemente. 

Tradição é continuidade no desenvolvimento, permanência na renovação, como Sardinha gostava de repetir.


Luís de Almeida Braga in "Posição de António Sardinha".

Somos Antiliberais.

“Não acatar as regras inalienáveis da nossa confirmação histórica o mesmo é que pretender substituir estultamente a nossa hereditariedade individual por qualquer outra que seja mais da nossa simpatia.

Os princípios que defendemos, antes de serem princípios, foram conclusões. Nós não significamos aqui mais que um voto unânime da nacionalidade pelo apelo sagrado dos seus mortos.


A nossa política não é uma política de profissionais mas uma política de profissões. Assentamos numa concepção orgânica da sociedade, com a diferenciação e a competência por critérios reguladores. Se nos insurgimos contra a democracia, é porque a democracia é a negação de todo o estímulo e de toda a prosperidade. 


Somos antiliberais. Mas somos antiliberais, porque municipalistas em relação às administrações locais e sindicalistas em face da questão operária; é pelas liberdades, de sentido restrito e concreto que dedicadamente nos bateremos."


 



António Sardinha in “A Monarquia”.

domingo, 3 de abril de 2016

A Paixão de Évora-monte.


O Tratado de Londres, firmado pela Quádrupla-Aliança, em 22 de Abril, a chegada dos navios ingleses à nossa costa, o desembarque do Almirante Napier que da Figueira avançaria por Leiria, Ourem e Torres Novas, a perda da batalha da Asseiceira, a marcha da divisão espanhola do General Rodil, através da Beira e do Alto Alentejo, afirmavam o claro propósito de que a ofensiva da Primavera fosse a última do Exército Liberal, na conquista da vitória.

Tornava-se evidente que as forças de D. Miguel, ainda com resistência para prolongar o sacrifício da Guerra Civil ou para enobrecer um desespero em campo aberto, já não poderiam sustentar um trono condenado pela intervenção estrangeira, combalido pelas constantes deserções e traições e pela quase permanente incapacidade dos comandos superiores, em contraste com a perícia de dois chefes militares, como eram Saldanha e Terceira, um grande soldado e um perfeito General.

A Asseiceira, em alguns recontros indecisa, terminara na tarde de 16 de Maio. Na véspera, a infanta D. Isabel Maria seguira de Santarém para Elvas com alguns servidores e uma pequena escolta, para não ficar exposta às agruras de um possível cerco.
                       
Muitos propunham (e queriam...) que a rendição se desse ali mesmo, em Santarém. D. Miguel, julgando já insustentável a posição que tivera durante meses, logo no dia seguinte a abandonou a D. Pedro e a Saldanha (que então «passou do Cartaxo») e atravessou o Tejo em direcção a Évora, no intuito de concentrar forças para a acção decisiva que se aproximava.


Com más lembranças saía o Rei de Santarém: ali lhe ficavam cinco mil soldados, mortos de tifo pela invernia; durante a ocupação, haviam perecido alguns milhares de habitantes da vila, às vezes enterrados a cento e cento, de sol a sol; lá ficava no seu pobre caixão de folha, na igreja do Milagre, o cadáver da Infanta D. Maria da Assunção, morta em Janeiro, aos vinte e oito anos, no meio da geral desdita e que à falta de outras honras, após alguns anos do triunfo liberal, só pôde ser sepultada em campa rasa.

Às forças do Duque da Terceira, na Golegã, vinha entregar-se e entregar a cavalaria do seu comando - os "Dragões de Chaves" e vários corpos municiados - o Brigadeiro Joaquim Urbano, que àquela cilada de deshonra trouxera os soldados, iludidos e inflamados na esperança de que iam combater pelo seu Rei.


Tanta perfídia, mereceu nas Memórias do Marquês de Fronteira estas palavras de honrada punição de um adversário:

«O General traiu o seu Rei, na desgraça e traiu os seus subordinados, levando-os a cometer uma infâmia e, honra seja feita aos bravos dragões de Chaves, tenho a convicção, porque o presenciei de perto, de que, se uma voz se levantasse entre eles naquela ocasião, lembrando-lhes o seu Rei, preferiam morrer todos a abandonar a sua bandeira.»

Igualmente avulta, pela sua miséria moral, o procedimento que cobriu de vergonha o Coronel António Cardoso de Albuquerque. E outros, e tantos outros...

As tropas de D. Pedro, à última hora, viam subitamente aumentados com bons reforços os seus efectivos. Bem certo é que a história muitas vezes se repete... Chega a ser fastidiosa, pela insistência, a sua verdade justiceira. 

D. Miguel entra em Évora a 21. No dia imediato dirige uma proclamação ao País, a protestar contra a intervenção da Espanha, da Inglaterra e da França nos negócios da política interna de Portugal. A Nação ainda o ouvia, mas já não podia falar. A 23 reúne-se no paço do Arcebispo um conselho, no qual, examinada friamente a situação, se decide por maioria pedir o armistício. As possibilidades de resistência diminuíam de hora a hora. Ouviam-se muitas vozes provocadoras de desânimo. A confusão dominava já os melhores juízos.

No outro dia, a 24, o Rei passa a última revista às tropas nas cercanias de Évora. Era um adeus mudo e solene: 16.000 infantes, 14.000 cavaleiros, 35 peças de artilharia ali estavam ainda em parada, para a vida e para a morte. No Algarve, o General Cabreira, dizia-se, comandava 3.000 infantes, 200 cavaleiros, algumas bocas de fogo, fora as guerrilhas da Serra; havia mais gente para entrar no conto que operava e se batia para as bandas de Alcácer. Somadas as guarnições dispersas além do Tejo, as forças Miguelistas subiriam a 35.000 ou 40.000 homens.

Mas batiam-se contra os Marechais, tinham de lutar contra a Espanha, a França, a Inglaterra e, mais ainda, contra a misteriosa corda de traições e defecções que vinham do General Póvoas e da vitória vencida de Souto Redondo.

Terceira internara-se já no Alentejo, esse mesmo Terceira que, ainda então Conde de Vila Flor, fora no estado maior do Infante D. Miguel receber a Arroios o Conde de Amarante, que descia a Lisboa para colher os louros do pronunciamento de Trás-os-Montes contra o "Vintismo". Pelo Alentejo penetrava também Saldanha, a largas marchas, para envolver e reduzir os campos de operações daquele mesmo Príncipe que onze anos antes ele acompanhara a Vila Franca, e que no regresso da "Campanha da Poeira" pisara aos pés o laço Constitucional. É assim, mudável e vária a humana condição...

Aprazados os dois Marechais para Montemor, ali se reúnem com o General Miguelista Guedes de Oliveira e assentam que a Convenção (capitulação) seria assinada em Évora-Monte, passados três dias.
             
Fora também a 26 de Maio, em 1823, que o regimento de infantaria do Castelo de S. Jorge se erguera ao toque de deitar correias no pronunciamento da Vilafrancada, ordenada pelo Infante D. Miguel e pelo Brigadeiro José de Sousa Sampaio.

Na velha Praça Alentejana compareciam agora os dois Marechais, Saldanha e Terceira por D. Pedro e o General Azevedo Lemospor D. Miguel; o Brigadeiro D. Ramon, representante de D. Carlos V de Espanha; o secretário da legação inglesa, John Grant, que já estava no Quartel General de Saldanha, seria o portador das antigas condições de capitulação, ditadas pela Grã-Bretanha e malogradas por inaceitáveis, após a conferência do ministro Lord Howard com o General Lemos, em 22 de Março, na Ponte de Asseca.

Um mês depois daquela digníssima desinteligência, firmava-se em Londres, o já referido pacto da Quádrupla-Aliança.
                                             
                                                                                                          
Não perdia o seu tempo a Maçonaria...

Pela Convenção, o Rei D. Miguel I tinha de deixar Portugal, dentro de 15 dias; escolheria o porto português e a nacionalidade do navio em que desejasse embarcar; reconhecia-se-lhe o direito à pensão anual de 60 contos; os seus oficiais conservariam os postos alcançados; os civis regressariam em paz aos seus lares...

Parecia um programa de concórdia civil, logo completado com o decreto de amnistia.


Assinada a Convenção (capitulação) numa casota térrea da vila, foi servida uma ceia que a presença do General vencido impediu que fosse festiva.

Lemos nada quisera nem pedira para si. O filho do povo, sempre tão desdenhado por certos fidalgos sem nobreza, que só mantinham o privilégio de ultrajar os nomes de avós ilustres, declarava que seguiria o destino do seu Rei, para o desterro. Ao descer de Évora-Monte por entre oliveiras, dolorosamente simbólicas, esse General Azevedo Lemos, ladeado apenas dos seus ajudantes e do Marquês de Fronteira, que o acompanharia até aos postos avançados do Exército Miguelista, representou ali a lealdade e a vencida dignidade do povo português, nessa noite de silêncio e de luar tépido, em que a História abriu as páginas à glorificação das suas virtudes militares.
               



No dia seguinte, 27 de Maio, D. Miguel mandava ler e afixar a Convenção; dirigia o seu maior louvor às tropas, mostrando-lhes a impossibilidade de prosseguir numa luta sem esperança, desde que, contra a legitimidade do direito dinástico, contra a própria dignidade da Pátria, tropas e navios estrangeiros andavam combatendo em Portugal. O inimigo já não era uma facção de portugueses, constituía-o uma coligação de três poderosas nações da Europa.

De encontro aos quinais da Sé, do Paço do Arcebispo, do antigo palácio da Inquisição, ouviam-se ferros a tinir: eram as espadas que os oficiais partiam por desespero, para não as entregarem ao vencedor. Outros muitos arrancavam as barbas, em gritos de cólera e dor: «Traição! Traição!»
       


Em cumprimento das cláusulas da Convenção, o exército realista começava a desarmar e a destroçar.

Na noite de 27, em Lisboa, já decretada a amnistia, abria-se para a récita de gala o Teatro de S. Carlos. Por não ter mandado fuzilar o irmão e preferir dar um testemunho irrefragável de Clemência, e dos sentimentos de Amor e de Indulgência, D. Pedro sente, no Camarote Real, o primeiro ímpeto da justiça popular, nos insultos e doestos que não acalmam e ali desacatam ruidosamente a sua autoridade.

Acima dos dois príncipes irmãos, o vencedor e o vencido na luta pela soberania, erguia-se de mais baixo e para mais alto, a soberania do povo. O Imperador do Brasil ali conheceu que o preço da vitória da Liberdade foram os grossos patacões, talvez trinta fossem eles, vilmente arremessados à sua face mole e pálida de ético.
         

Ele pôde ainda dizer: «Fora, canalha!», mas essa canalha era agora o «poder mais alto que se alevantava»Ela ficou, ficaria, e quem saiu fora foi D. Pedro com a primeira hemoptise, com pedras e lama sobre a carruagem, para se finar dali a quatro meses, numa câmara de Queluz. Quem se ausentava do teatro e de Portugal era a Realeza verdadeira, sem alcunha que a desmentisse.

Em 28 e 29, D. Miguel preparava-se para o incerto desterro de que não mais voltaria.


Às vezes, surgindo às varandas do Paço do Arcebispo, seu quartel de uma semana, ainda O Aclamam com doloroso fervor os corações fiéis do povo; abraça a chorar os soldados, que vão regressar aos regimentos ou às terras distantes, muitos a perder a vida em assaltos de vindicta; despede-se dos oficiais, e por alguns mais necessitados distribui o pouco dinheiro que ainda tinha consigo. Despida a farda, aparece vestido com um casaco de saragoça, calças e colete de pano azul. Chama o seu particular José Luís Rocha, filho da Sua ama de leite Genoveva, e incumbe-o de uma honrada e honrosa missão: ir entregar a D. Pedro o cofre das jóias da Coroa. Para se indemnizarem dos valores de quinze contos, junta D. Miguel àquelas as próprias jóias do Seu uso e da Sua casa.

Quem perdera um trono «a que subira por dever», como Ele acentuaria, mais cuidado tinha de pôr em conservar a honra, único património que levava para o exílio.
                                                                                                                                                                        
Ao receber a mensagem do Rocha, à vista de tal escrúpulo, o Imperador do Brasil não pôde deixar de comentar, entre admirado e desdenhoso: «Isto são mesmo coisas do mano Miguel!» - Tinha razão para estranheza o acolhimento de D. Pedro: as jóias confundira-as em Évora a honradez do Proscrito, e não bastou um século de luzes para as destrinçar!

Na madrugada de 30 de Maio, D. Miguel descia as brandas escadas do Paço do Arcebispo e começava a subir o fragoso calvário da Sua alma. E por Ele iria caminhando ao peso da vida, através de ermos de miséria e de infortúnio, até que a morte O colheria em terra estrangeira. 

Ao passo das montadas, como vencido, deixava as Portas de Moura, transpunha a porta do Senhor da Pobreza, saindo das muralhas e entrando na campina, onde o esperavam dois esquadrões do Regimento de Lanceiros da Rainha, sob o comando do Tenente-Coronel Simão Infante de Lacerda.

Por última honra ao Vencido, que fora Rei de Portugal, escoltava-O um pelotão de vinte soldados da Cavalaria Realista. No comando dum dos esquadrões, ia o Capitão D. Carlos de Mascarenhas, antigo amigo e companheiro de D. Miguel.

Ao mesmo tempo, em Elvas, a Infanta D. Isabel Maria ia recebendo as Deputações dos Marechais de D. Pedro. Ali se conformava mais uma vez com os factos, preparando-se para regressar a Lisboa, a congratular-se com a restauração solene da Carta Constitucional.

Aos olhos turvos dos que iam, a claridade da manhã, inundava a charneca, acendia as vagas dos trigos loiros, no meio dos quais os montes avultavam como ilhas brancas na imensidade do horizonte, até à serra de Portel.

Por entre azinheiras, os pelicos, vestidos com a solenidade de dalmáticas, por S. Manços, na praça do Geraldo ou no portal da Sé, sob a bênção do Apostolado, ficavam quietos, com os rafeiros ao lado, a ver o desfile em silêncio funéreo... À tropeada da cavalaria, as cegonhas largavam das moitas em voos calmos, de aves semi-domésticas, com rumo ao amor dos ninhos, suspensos em amieiros solitários, todos aleijados das investidas do suão.

Em volta, o terreno ia-se alongando, prolongando em convulsões irregulares de estevas floridas que ampliavam em brandas colinas a festa da planície, jucunda e farta, como mesa de lavrador.

Dos altos, os moinhos de vento acenavam para as searas, prometendo-lhes a glória de as converter no pão da vida, enquanto no topo da serra se transfigura à tremulina, a velha ermida de S. Pedro.

Vem à escolta avisos sinistros: as Quadrilhas do Batalha e do Galamba andavam patrulhando pelo alfoz de Portel; num clube de Lisboa, talvez o mesmo em que se planeara a assuada a D. Pedro, em S. Carlos, resolvera-se a façanha de assassinar D. Miguel no longo caminho de Évora para Sines; e havia cúmplices nos próprios oficiais da escola, segredava-se. Os ministros da Inglaterra, da França e da Suécia, dirigiram-se ao governo para prevenir este plano carniceiro, que faria pagar com o sangue do Rei destronado, os excessos as violências, os crimes que não eram dele.

O ministro da guerra, Agostinho José Freire, entrava no dia 30 em Estremoz, e de lá tranquilizava o governo, ele que a voz pública denunciava como instigador do atentado e inspirador dos tumultos de Sines.

(Viria depois a ser morto ao passar na Pampulha pela mesma canalha que cortejou).

A quadrilha do Batalha compunha-se de muitas centenas de facínoras, recrutados entre a pior gente do Alentejo e do Algarve, em boa união com a rufiagem de Lisboa - todos bravos homens, que se mantiveram ausentes, enquanto se lutou em combate leal.

Simão Infante compreendeu que devia contar com o assalto do Batalha, quando soube que já haviam sido roubadas as bagagens de D. Miguel e as de sua aia D. Francisca Vadre, ficando ambos reduzidos às reservas da roupa que vestiam.

Ao pelotão de 40 soldados que se destacara em avançada, sob o comando do Capitão D. Carlos Mascarenhas, procurou resistir o Batalha com a sua gente, defrontando-se-lhe no caminho. D. Carlos fez-lhe saber que se dentro de cinco minutos não estivesse livre a passagem, carregaria à espada toda a quadrilha. Os Bandoleiros afastaram-se aos gritos de insulto a D. Miguel e à Tropa Liberal que nobremente O escoltava. Para muito longe ficavam na lembrança do Rei deposto os amores de Queluz e de Braga, as sortes de toureio na sua maior agilidade, as manhas sábias do velho Calabaça, as cantigas do Sedovem...

Naquele calor de incêndio, com os trigos a cair à foice, chovia cinza na alma do Rei. Aos trinta e dois anos, já lhe sobrava a experiência da vida: vitórias, derrotas, traições, ingratidões, lutas, covardias - tudo por Ele passara, de tudo, pouco ou muito, havia sofrido. 

Na marcha de funeral da Sua glória e da sua esperança, iria pensando no conceito genérico que tantas vezes havia de repetir, como resumo crítico do seu momento histórico: «Fomos ambos felizes, eu e meu Irmão. Por ele, esteve a inteligência sem honra; por mim, a gente de honra sem inteligência».
                                     
Ao passar em Ferreira este cortejo triste, já a má vontade do povo se traduzia no entusiasmo pelo sol nascente da política...

Na tarde de 31D. Miguel, a sua comitiva e a escolta, chegaram pela força do calor, à vila de Alvalade, onde o povo com bondade e carinho recebeu os vencidos, já fatigados por vinte léguas de jornada.

D. Miguel foi hospedado em casa do lavrador Luís da Lança Parreira e de sua mulher Dona Teresa Luísa, família principal da terra, que agasalharam com o que tinham e com os melhores sentimentos de respeito o seu Real Hóspede.

D. Miguel ali ceou, dormiu e almoçou no dia seguinte, 1 de Junho. Ao despedir-se com lágrimas de comoção daquela boa família portuguesa, que lhe beijava a mão na hora do infortúnio, o Rei deposto fixava numa nota escrita os nomes dos hospedeiros leais e corajosos, capazes de render homenagens a uma sombra que se afastava para sempre... Por esquecimento, ali ficou uma faca de prata que os descendentes daqueles lavradores foram guardando e uma espada que o guerrilheiro Remexido lá mandou buscar depois, por quatro homens da sua hoste.
           

Mais algumas léguas de caminho e avistariam o mar, outra planície a que não se adivinhava o fim... Às cinco horas, D. Miguel entrava em Sines, sentindo de todos os lados a curiosidade azeda do povo. Turvava-se a alma desse rapaz prisioneiro que estava na flor da vida e fora Rei absoluto de Portugal.

Descansou em casa do Padre Galufo durante uma hora. Em terra, já o esperava com os seus oficiais Nicolau Lockyer, comandante da fragata inglesa Stag, fundeada no porto desde a véspera, ida de Lisboa com a corveta Nimrod.

Esta fragata Stag que ali esperava D. Miguel, era a mesma para onde D. Pedro quisera embarcar num momento de exaltação, durante o conselho de 7-8 de Agosto de 1832, após o "Combate de Souto Redondo" e do "Recontro do Bandeira", que ele esteve observando de uma janela do Palácio dos Carrancas.

A fragata estava à foz do Douro, para ser utilizada em extremo recurso... Ia agora cumprir o seu destino.

A multidão dos moradores da vila e arredores, juntos aos manifestantes idos de Lisboa, comprimiam-se ao longo da rua que levava ao porto.

O povo foi-se exaltando a tal extremo que se tornou necessário estabelecer um serviço de defesa das embocaduras, formando-se alas com os esquadrões apeados e de espadas nuas.

O comandante da Stag convidou o Rei a embarcar sem demora, persuadido de que a pessoa de D. Miguel corria risco em terra. Como na descida para a praia não se podia ir a cavalo, D. Miguel e o seu séquito foram descendo a riba, desde a matriz até ao escaler, entre os oficiais ingleses e os portugueses, aos gritos de assuada, insultos, vivas à Carta, à Rainha e morras ao tirano.

Durante este percurso, uma pedra ou bloco de caliça, arremessado de um telhado, veio atingir um pé do Capitão D. Carlos, sem o molestar.

Averiguou-se mais tarde que esse projéctil se destinava ao General Lemos, por última vingança do seu antigo Sargento, Francisco Maria Raposo, castigado em Lamego, injustamente, dizia ele, por ter deixado escapar um preso. Este facto gerou a lenda de que D. Miguel fora apedrejado em Sines, glória triste que a laboriosa vila por certo indignadamente repudiará.

Após o embarque do Rei e da Sua comitiva, em que iam o Conde de Soure, Seu ajudante, D. Bernardo de Almada, Ajudante-de-Campo, o Mordomo António José GuiãoJoão Gaudêncio Torres, o General Lemos, o padre Joaquim dos Reis, confessor, Diogo José de Noronha, os seus criados fiéis, ao todo umas sessenta pessoas, a fragata e a corveta inglesa saudaram com os tiros da ordenança, a que não correspondeu a corveta portuguesa, do comando do Capitão Limpo, cuja marujada viera para terra a colaborar na assuada (confusão) dos garotos e vadios. Este foi por certo um grande serviço prestado à situação triunfante por aquele audaz marinheiro.

Os oficiais assinaram todos o auto de entrega, passara o comandante inglês o seu recibo: « - D. Miguel embarcou...», certificava o documento.
       

A fragata levantou ferro na manhã seguinte, para vir fundear em Cascais, a meter víveres; mas desse pequeno percurso ficou e veio até nós o eco de um protesto que, começando a correr no termo de uma Guerra Civil, se prolongou pelas distâncias e mudanças de um século inteiro, sem razão que reduzi-lo possa a definitivo silêncio.
             

Évora-Monte não simboliza apenas o ocaso da estrela política de um Príncipe que foi amado e Aclamado por defender com os Seus direitos uma aspiração histórica, jurídica e moral. Príncipes desgraçados, outros tem havido em Portugal, sacrificados ou mortos em perfeita inocência e a justiça humana não dá mostras de melhoria, nem a injustiça revela sinais de decadência em todo o orbe.


A capitulação de há um século foi o epitáfio de uma esperança, a da reconciliação do passado com as exigências constantes da renovação; valeu a morte duma reacção consciente, de uma aspiração de renascimento que, vinda das escolas e academias, encontraria a oportunidade de se traduzir em úteis reformas económicas, sociais e políticas.

Requer-se à inteligência que tenha dignidade, o dever de descobrir nas reacções de 23 e de 28, algum pensamento construtivo, que através de todas as indecisões, era nacional e verdadeiro; é preciso reconhecer outras realidades vivas, além dos espantalhos das forcas e das sombras dos cacetes, como apregoam em seus balcões, certos rendeiros da História de Portugal, em signo de Maçonaria. 

Se concedemos que Évora-Monte foi um fim, é só para marcar com essa data o começo de uma época de sistemática falsificação em que Portugal mudou de face, e de natureza, distanciando-se em odioso divórcio governantes e governados, pela interposição de clientelas fortemente organizadas em batalha legal.

Em Évora-Monte acabaram também, em holocausto à Liberdade, as ordens religiosas, apressadamente extintas em decreto de 28 - dois dias depois! - logo promulgado por D. Pedro em 30 de Maio, e cujo relatório abre assim:

«Senhor: - Está hoje extinto o prejuízo, que durou séculos, de que a existência das Ordens Regulares é indispensável à Religião Católica, e útil ao Estado, e a opinião dominante é que a Religião nada lucra com elas, e que a sua conservação não é compatível com a civilização e luzes do século, e com a organização política que convém aos Povos».

Por tal diploma se renegava entusiasticamente toda a acção das ordens religiosas e militares na constituição e defesa da Pátria, e a maior glória do passado civilizador de Portugal nas quatro partes do mundo!
                                       

Percebe-se bem a ligação estreita destes dois instantes da nossa história, tão íntima ligação os prende que eles se fundem no mesmo ruinoso e diabólico desígnio: chega a parecer que a Guerra Civil durara aqueles anos todos, só para que não houvesse frades nem freiras em Portugal. 

Dispersaram-se os melhores núcleos de ensino, as portas da mais ampla caridade cerraram-se de todo. Fecharam-se Alcobaça, Santa Cruz, Tibães, perseguiram-se velhos, desbarataram-se livrarias seculares, calaram-se os órgãos conventuais, esmoreceu e quase se extinguiu em Portugal, durante um século, o amor sereno e desinteressado do estudo das letras.

Demoliram-se, incendiaram-se ou saquearam-se conventos e mosteiros, para roubar e vender pratas e alfaias; transmudou-se a nossa fisionomia espiritual, barbarizou-se o conceito moral da vida portuguesa.

Haverá ainda quem encontre deleite a contemplar o campo de ruínas que durante o século hoje findo, alastrou de lés a lés de Portugal: toda a comparsaria dos que rastejam, como osgas, pelas alfurjas da Maçonaria e pelas mesas das redacções. Mas o tempo futuro, vingador das violências do passado e das hesitações covardes da hora presente, dará serenidade à crítica histórica para reconhecer e louvar a justiça daqueles Portugueses vencidos. Por supremo sacrifício, com dor da inteligência e do coração, eles capitularam em Évora-Monte, sem poderem evitar com tantos trabalhos e com o preço do seu sangue, que os destinos da Nação ficassem entregues ao domínio espiritual e material do estrangeiro.
       






Hipólito Raposo In "A Voz", a 26 de Maio de 1934.